BLOG ESPIRITUALIDADE E RELIGIOSIDADE. AUTOR: ÁLAZE GABRIEL GIFTED.
Disponível em http://espiritualidade-e-religiosidade.blogspot.com.br
RELIGIÃO, ESPIRITUALIDADE E PSIQUIATRIA: UMA NOVA ERA
NA ATENÇÃO À SAÚDE MENTAL
Autoria:
Harold G. Koenig. Professor of Psychiatry & Behavioral Sciences. Associate Professor
of Medicine, Duke University Medical Center. Geriatric Research, Education and
Clinic Center Durham VA Medical Center.
Adaptação:
Superdotado Álaze
Gabriel. Atualmente Operador de Processamento de Dados, Blogger e Escritor.
A
publicação deste número especial da Revista de Psiquiatria Clínica
representa um marco no campo da religião, espiritualidade e saúde mental no
Brasil e em outros países de Língua Portuguesa. De meu conhecimento, esta é a
primeira revista psiquiátrica a devotar um número inteiro a esse tópico. Os
artigos aqui reunidos foram redigidos pelos pesquisadores brasileiros mais
renomados na área e também incluem artigos de vários autores de fora do Brasil.
Neste prefácio, apresentarei um breve resumo de como o campo da religião,
espiritualidade e saúde mental tem se desenvolvido, expressarei minha visão
sobre o futuro deste campo e enfatizarei a importância da colaboração entre
clínicos e cientistas brasileiros para assegurar que as necessidades
psicológicas, sociais e espirituais dos pacientes sejam adequadamente
atendidas.
Muitos
dos primeiros hospitais destinados ao cuidado de pessoas com doenças mentais
foram organizados por monges e sacerdotes. O tratamento "moral" (que
valorizava o papel da religião e as contribuições dos clérigos nos cuidados)
tornou-se o tipo dominante de cuidado psiquiátrico nos Estados Unidos e Europa
no começo do século XIX. Entretanto, este cenário mudou no início do século XX
com os escritos de Sigmund Freud na psiquiatria e de G. Stanley Hall na
psicologia (Koenig, 1995). Esses autores acreditavam que religião gerava
neurose e que teorias psicológicas iriam substituir as religiões como
propiciadoras de visão de mundo e fonte de tratamento. Tais atitudes negativas
em relação à religião não eram baseadas em pesquisas científicas nem em estudos
sistemáticos, mas primordialmente nas crenças e opiniões pessoais desses
pioneiros. Como conseqüência, durante a maior parte do século XX, o campo dos
cuidados à saúde mental subestimou e freqüentemente desqualificou as crenças e
práticas religiosas dos pacientes. Tais posturas estão refletidas em textos
fortemente anti-religiosos escritos ainda nas décadas de 1980 e 1990 (Ellis,
1988; Watters, 1992).
Contudo,
mudanças começaram a ocorrer na área da saúde mental na década de 1990 e na
virada para o século XXI. Investigações sistemáticas passaram a demonstrar que
pessoas religiosas não eram sempre neuróticas ou instáveis e que indivíduos com
fé religiosa profunda na realidade pareciam lidar melhor com estresses da vida,
recuperar-se mais rapidamente de depressão e apresentar menos ansiedade e
outras emoções negativas que as pessoas menos religiosas (Larson et al.,
1992; Koenig et al., 1992; 1993; Koenig et al., 1998; Koenig,
2006). Além disso, esses achados provinham não apenas de grupos de pesquisadores
dos Estados Unidos, mas também de cientistas no Canadá (Baetz et al.,
2002; Gee e Veevers, 1990; Harvey et al., 1987; OConnor e Vallerand, 1989), Grã-Bretanha (Shams
e Jackson, 1993; Cook et al., 1997), Irlanda (Maltby, 1997), Espanha
(Luna et al., 1992), Suíça (Pfeifer e Waelty, 1995), Alemanha (Schwab e
Petersen, 1990; Siegrist, 1996; Becker et al., 2006), Holanda e outras
áreas da Europa (Braam et al., 1997; Braam et al., 2004), Malásia
(Razali et al., 1998; Azhar et al., 1994), Tailândia (Tapanya et
al., 1997), Austrália (Francis e Kaldor, 2002; Wollin et al., 2003),
Nigéria (Ndom, 1996), Egito (Thorson, 1998), Oriente Médio (Anson et al.,
1990; Abdel-Kalek, 2006) e Índia (Verghese et al., 1989).
De
fato, uma pesquisa on-line na PsycINFO (uma base de dados que contém 2,3
milhões de pesquisas e artigos acadêmicos de 49 países em 27 idiomas), usando
as palavras-chave "religion", "religiosity",
"religious beliefs" e "spirituality", revela algumas
tendências interessantes. Quando restringi os anos da busca de 1971 a 1975,
foram identificados 1.113 artigos, mas ao repetir a pesquisa restringindo-a aos
anos entre 2001 e 2005, obtive 6.437 artigos, havendo um aumento de mais de
600% em 30 anos. Assim, parece ocorrer um rápido incremento na pesquisa e discussão
acadêmicas relacionadas à relação entre religião, espiritualidade e saúde
mental.
Dado
que religião é importante para a maioria dos brasileiros e outros
sul-americanos, não causa surpresa que haja interesse na ligação entre
envolvimento religioso e saúde mental. Dos 6.437 artigos sobre
religião/espiritualidade publicados entre 2001 e 2005, 20 envolveram artigos
sobre religião, espiritualidade e saúde de brasileiros. Seis desses 20 artigos
relatavam resultados de estudos quantitativos e quatro dessas pesquisas eram
focadas em saúde mental. Revisarei brevemente estes últimos aqui.
O
primeiro estudou abordou 110 espíritas que freqüentavam um centro espírita bem
conhecido em São Paulo. Socialização, felicidade, religiosidade, mediunidade,
personalidade e experiências dissociativas gerais foram medidas usando escalas
padronizadas (Negro et al., 2002). Atividade mediúnica foi associada com
mais experiências dissociativas, mas com bons escores em socialização e
adaptação. Um segundo estudo envolveu 989 pacientes consecutivamente admitidos
em uma unidade psiquiátrica em um hospital brasileiro (Dalgalarrondo et al.,
2004a). Católicos e protestantes (a maioria era pentecostal) foram comparados
em termos de sintomas, diagnóstico, tempo de internação e resultados clínicos.
Protestantes eram mais jovens, mulheres, com menor nível educacional e tinham
menor probabilidade de ser casados. Comparados com católicos, protestantes
tinham maior probabilidade de ter esquizofrenia e menor probabilidade de ter
transtornos por abuso de substâncias. Não houve diferenças quanto ao tempo de
internação ou condição clínica no momento da alta. Os autores interpretaram que
esses resultados poderiam ser devidos a padrões de busca de tratamento dos
protestantes pentecostais, um grupo predominantemente de menor nível
socioeconômico.
Um
terceiro estudo examinou 2.287 estudantes de quatro escolas publicas e três
escolas privadas (Dalgalarondo et al., 2004b). O uso de álcool, tabaco,
medicamentos e drogas ilícitas no ultimo mês foi investigado. Estudantes sem
uma filiação religiosa ou sem educação religiosa tinham um uso
significativamente maior de drogas ilícitas (êxtase ou cocaína). O último
estudo investigou os efeitos da filiação religiosa (pentecostais, espíritas e
católicas) no uso de substâncias e na saúde mental (esta última medida pelo
GHQ-12, em que pontuações maiores indicam maior morbidade psicológica) em 1.796
estudantes (Dalgalarondo et al., 2005). Pentecostais usaram menos
tabaco, álcool e drogas e pontuaram menos no GHQ-12; espíritas usaram mais
substâncias psicoativas e obtiveram maiores pontuações no GHQ-12; e os
católicos alcançaram escores intermediários entre os dois grupos. Esses quatro
estudos dão ao leitor uma noção do tipo de pesquisa que está sendo realizada
nesta área no Brasil.
Por
que todo esse interesse nesta área? Porque estudos entre religião,
espiritualidade e saúde mental? Há várias razões. Os resultados dessas
pesquisas têm importantes implicações para o cuidado clínico dos pacientes. O
conhecimento do impacto que as crenças religiosas podem ter na etiologia,
diagnóstico e evolução dos transtornos psiquiátricos ajudará os psiquiatras a
compreender melhor seus pacientes, avaliar quando as crenças religiosas ou
espirituais são utilizadas para lidar melhor com a doença mental e quando podem
estar exacerbando essa doença. A vasta maioria das pesquisas em populações
saudáveis sugere que as crenças e práticas religiosas estão associadas com
maior bem-estar, melhor saúde mental e um enfrentamento mais exitoso de situações
estressantes. Essas associações entre religiosidade e melhor saúde mental são
encontradas de modo mais marcante em situações de alto estresse. De certo modo,
esses achados também são verificados entre pacientes psiquiátricos, já que
estes enfrentam um enorme estresse ambiental e psicossocial em razão de seus
transtornos, necessitando de estratégias eficazes de enfrentamento. Por outro
lado, alguns poucos estudos indicam associação entre envolvimento religioso e
maior psicopatologia (veja artigo sobre religião e transtornos psicóticos nesta
edição).
Em
virtude do papel que as crenças religiosas e espirituais podem ter na doença
psiquiátrica, é importante que psiquiatras coletem uma história espiritual em
que sejam exploradas as crenças do paciente que podem estar influenciando a
doença mental e como o paciente está lidando com a doença. Além disso, são
necessárias muito mais pesquisas para melhor compreender como os diversos
sistemas de crenças religiosas no Brasil e em outros países da América do Sul
interagem com e influenciam os transtornos mentais.
A
área da religião e da saúde mental é um campo clínico e de pesquisa com enorme
potencial. Espero que este volume pioneiro da Revista de Psiquiatria Clínica
possa estimular e abrir caminho a novas pesquisas e discussões que, em última
instância, permitirão que os clínicos reconheçam a importância das crenças
espirituais na saúde e nas doenças mentais dos pacientes que servimos, desse
modo conduzindo a uma nova era de cuidados psiquiátricos culturalmente
sensíveis à pessoa como um todo.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Abdel-Khalek, A.M. - Happiness,
health, and religiosity: Significant relations. Mental Health, Religion and
Culture 9(1):85-97, 2006.
Anson, O.; Antonovsky, A.; Sagy, S.
- Religiosity and well-being among retirees: A question of causality. Behavior,
Health, and Aging 1:85-97, 1990.
Azhar, M.Z.; Varma, S.L..; Dharap,
A.S. - Religious psychotherapy in anxiety disorder patients. Acta
Psychiatrica Scandinavica 90:1-3, 1994.
Baetz, M.; Larson, D.B.; Marcoux,
G.; Bowen, R.; Griffin, R. - Canadian psychiatric inpatient religious
commitment: an association with mental health. Canadian Journal of
Psychiatry 47(2):159-166, 2002.
Becker, G.; Momm, F.; Xander, C.;
Bartelt, S.; Zander-Heinz, A.; Budischewski, K.; Domin, C.; Henke, M.;
Adamietz, I.A.; Frommhold, H. - Religious belief as a coping strategy: an
explorative trial in patients irradiated for head-and-neck cancer. Strahlentherapie
und Onkologie 182(5):270-276, 2006.
Braam, A.W.; Beekman, A.T.F.; Deeg,
D.J.H.; Smith, J.H.; van Tilburg, W. - Religiosity as a protective or
prognostic factor of depression in later life; results from the community
survey in the Netherlands. Acta Psychiatrica Scandinavia 96:199-205,
1997.
Braam, A.W.; Hein, E.; Deeg, D.J.;
Twisk, J.W.; Beekman, A.T.; Van Tilburg, W. - Religious involvement and 6-year
course of depressive symptoms in older Dutch citizens: results from the
Longitudinal Aging Study Amsterdam. J Aging Health 16(4):467-489, 2004.
Cook, C.C.; Goddard, D.; Westall, R.
- Knowledge and experience of drug use amongst church-affiliated young people. Drug
& Alcohol Dependence 46(1-2): 9-17, 1997.
Dalgalarrondo, P.; Banzato, C.E.M.;
Botega, N.J. - Increased frequency of schizophrenia among Brazilian Protestant
inpatients. Jornal Brasileiro de Psiquiatria 53(3):143-152,
2004a.
Dalgalarrondo,
P.; Soldera, M.A.; Filho, H.R.C.; Silva, C.A.M. - Religion and drug use by
adolescents. Revista Brasileira de Psiquiatria 26(2):82-90, 2004b.
Dalgalarrondo,
P.; Soldera, M.A.; Filho, H.R.C.; Silva, C.A.M. -. Mental health and drug use among catholic,
pentecostal and spiritualist youth. Jornal Brasileiro de Psiquiatria 54(3):182-190,
2005.
Ellis,
A. - Is religiosity pathological? Free Inquiry 18:27-32, 1988.
Francis, L.J.; Kaldor, P. - The
relationship between psychological well-being and Christian faith and practice
in an Australian population sample. Journal for the Scientific Study of
Religion 41(1):179-184, 2002.
Gee, E.M.; Veevers, J.E. - Religious
involvement and life satisfaction in Canada. Sociological Analysis 51:
387-394, 1990.
Harvey, C.D.H.; Barnes, G.E.;
Greenwood, L. - Correlates of morale among Canadian widowed persons. Social
Psychiatry 22:65-72, 1987.
Koenig, H.G.; Cohen, H.J.; Blazer,
D.G.; Pieper, C.; Meador, K.G.; Shelp, F.; Goli, V.; DiPasquale, R. - Religious
coping and depression in elderly hospitalized medically ill men. American
Journal of Psychiatry 149:1693-700, 1992.
Koenig, H.G.; Ford, S.; George,
L.K.; Blazer, D.G.; Meador, K.G. - Religion and anxiety disorder: An
examination and comparison of associations in young, middle-aged, and elderly
adults. Journal of Anxiety Disorders 7:321-42, 1993.
Koenig, H.G.; George, L.K.;
Peterson, B.L. - Religiosity and remission from depression in medically ill
older patients. American Journal of Psychiatry 155:536-42, 1998.
Koenig, H.G. - Faith and Mental
Health. Philadelphia, PA: Templeton Foundation Press 2005.
Koenig, H.G. - Religion and
depression in older medical inpatients. American Journal of Geriatric
Psychiatry, in press 2006.
Larson, D.B.; Sherrill, K.A.; Lyons,
J.S.; Craige, F.C.; Thielman, S.B.; Greenwold, M.A.; Larson, S.S. - Dimensions
and valences of measures of religious commitment found in the American Journal
of Psychiatry and the Archives of General Psychiatry, 1978-1989. American
Journal of Psychiatry 149:557-559, 1992.
Luna, A.; Osuna, E.; Zurera, L.;
Gracia-Pastor, M.V.; Castillo del Toro, L. - The relationship between
perception of alcohol and drug harmfulness and alcohol consumption by
university students. Medicine and Law 11:3-10, 1992.
Maltby, J. - Personality correlates
of religiosity among adults in the Republic of Ireland. Psychological
Reports 81 (3, Part 1):827-831, 1997.
Ndom, R.J.E.; Adelekan, M.L. -
Psychosocial correlates of substance use among undergraduates in Ilorin
University, Nigeria. East African Medical Journal 73:541-547, 1996.
Negro, P.J.; Palladino-Negro. P.;
Louza, M.R. - Do religious mediumship dissociative experiences conform to the
sociocognitive theory of dissociation? Journal of Trauma & Dissociation 3(1):51-73,
2002.
OConnor,
B.P.; Vallerand, R.J. - Religious motivation in the elderly: a French-Canadian
replication and an extension. The Journal of Social Psychology 130:
53-59, 1989.
Pfeifer, S.; Waelty, U. -
Psychopathology and religious commitment: A controlled study. Psychopathology
28:70-77, 1995.
Razali, S. M.; Hasanah, C.I.;
Aminah, K.; Subramaniam, M. - Religious–sociocultural psychotherapy in patients
with anxiety and depression. Australian & New Zealand Journal of
Psychiatry 32:867-872, 1998.
Schwab, R.; Petersen, K.U. -
Religiousness: Its relation to loneliness, neuroticism, and subjective
well-being. Journal for the Scientific Study of Religion 29: 335-345,
1990.
Shams, M.; Jackson, P.R. -
Religiosity as a predictor of well-being and moderator of the psychological
impact of unemployment. Journal of Medical Psychology 66:341-352, 1993.
Siegrist, M. - Church attendance,
denomination, and suicide ideology. Journal of Social Psychology 136(5):559-566,
1996.
Tapanya, S.; Nicki, R.; Jarusawad,
O. - Worry and intrinsic/extrinsic religious orientation among Buddhist (Thai)
and Christian (Canadian) elderly persons. International Journal of Aging and
Human Development 44:73-83, 1997.
Thorson JA (1998). Religion and
anxiety: Which anxiety? Which religion? In H. Koenig (ed), Religion and
Mental Health. San Diego: Academic Press, pp. 147-159
Verghese, A.; John, J.K.; Rajkumar,
S.; Richard, J.; Sethi, B.B.; Trivedi, J.K. - Factors associated with the course
and outcome of schizophrenia in India: Results of a two-year multicentre
follow-up study. British Journal of Psychiatry 154:499-503, 1989.
Watters, W. - Deadly Doctrine:
Health, Illness, and Christian God-Talk. Buffalo, New York: Prometheus
Books 1992.
Wollin, S.R.; Plummer, J.L.; Owen,
H.; Hawkins, R.M.; Materazzo, F. - Predictors of preoperative anxiety in
children. Anaesthesia & Intensive Care 31(1):69-74, 2003.